domingo, 8 de março de 2009

ensaio para uma micronarrativa

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Caras(os), no meu deambular pela escrita decidi explorar uma outra vertente da prosa, em busca de novos caminhos. Concretamente a Micronarrativa. Espero que vos agrade.

O que são micronarrativas?
As micronarrativas, em nosso entender, para além de serem breves (não excedendo as 200 palavras), devem ser narrativas, ou seja, contar uma história, quer seja em prosa ou em verso.
in Minguante


DISSOLVÊNCIA NO TEMPO

A névoa nevoenta, leitosa e pegajosa, que tudo cobria como um bicho peçonhento, começava a dissipar-se e a permitir o revelar das formas do mundo tido como real.
Mas havia um algo indefinido fora do lugar. Fora de si?
Não era um algo palpável. Era antes uma espécie de poeira feita de indiferença como se a realidade, apesar de descoberta pela névoa fugidia, se quisesse manter afastada de olhares indiscretos.
Fosse qual fosse a natureza obscura do fenómeno, este provocava-lhe a estranha sensação de ter deixado de pertencer àquele universo.
Via os prédios através do véu cristalino das vidraças recém limpas.
Via as pessoas e os carros através da cortina irreal que lhe tolhia a visão.
Via os objectos quietos num lugar que não lhes pertencia. Ou deixara de pertencer?
Aquela sensação começava a tornar-se atroz à medida que saía do torpor que a disfunção espácio-temporal lhe provocava.
A clareza com que aparentemente via, com o dissipar da névoa, era um embuste. Sentia-o cada vez mais intensamente.
Não conseguia despregar o olhar dos telhados que via para além da rua.
O seu aspecto etéreo hipnotizava-o.
Assustou-se e estremeceu com o ladrar de um cão longínquo.

Oeiras 17 Fevereiro 2009
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2 comentários:

Menina Marota disse...

"...Era antes uma espécie de poeira feita de indiferença como se a realidade, apesar de descoberta pela névoa fugidia, se quisesse manter afastada de olhares indiscretos."

E não nos sentimos assim tantas vezes?


Um texto abrangente de que gostei muito pela sensibilidade poética de mostrar o interior das palavras.

Beijo e boa semana ;)

Unknown disse...

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Olá Otília,

Obrigado pelas tuas palavras.
Fico feliz por teres gostado.

Concordo que nos sentimos assim muitas vezes.
O mundo parece girar à nossa volta como uma esfera de irrealidade, sem ponto onde o possamos agarrar. Sentimo-nos perdidos no vácuo.
Até que algo nos toca os sentidos e nos faz regressar à realidade ( ilusória ? ).

bjs com saudade,
Z.

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