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O original deste instante data de 28 de Outubro de 2002, e foi escrito numa segunda-feira de madrugada, pelas 03:30, o que aliás não é raro acontecer.
É uma coisa que gosto de fazer. Perder-me na solidão da madrugada, a escrever, ou a desenhar, acompanhado apenas por jazz, cigarros e uma garrafa de bourbon.
Esta estória é mesmo apenas um instante. Duma vida que pode ser a de qualquer um. Pode ser a sua, ontem, hoje ou amanhã.
ISOLINO
Isolino acorda, esvaído no torpor costumeiro. Esperta cedo como habitualmente.
Olha de fininho com os seus olhinhos estremunhados de rato sodomizado, o velho relógio despertador acoitado na semi-obscuridade da mesa de cabeceira.
06:24 da manhã, foda-se!
Mais um dia de labuta. Sente ganas de matar o filho-da-puta que inventou o trabalho. Essa merda dessa estória de ganhar o pão com o suor do rosto.
Do rosto uma porra! Nas obras, onde é pedreiro, é com o suor do rosto, dos pés, dos sovacos, do cu, dos tomates, dos entrefolhos.... é com o suor do corpo todo!
Olha de novo o estúpido relógio.
06:35!
O cabrão do relógio ri-se! Ouve-o às gargalhadas, a rir que nem um boi charolês, enquanto os ponteiros avançam. Apetece-lhe pegar no relógio e atirá-lo contra a parede. Ou, melhor ainda, pegar numa marreta e transformá-lo em puré; uma espécie de batido de laranja mecânica.
06:46!!
Porra, agora está mesmo atrasado!
Salta da cama num ápice. Coça os tomates enquanto, ao mesmo tempo, solta um sonoro traque. Corre como uma barata tonta para a exígua casa-de-banho, revestida de azulejos verde-ranho nas paredes, cheios de rachas, e humidade no tecto pintalgado de cagadelas de mosca. Lava o lúbrico rosto de sacristão rapidamente.
Não se barbeia. Sempre é uma forma de ganhar uns bons 5 minutos. Também já não se barbeia há cerca de 3 dias.
Mais um dia menos um dia não vai fazer grande diferença e no emprego que tem ninguém liga importância a um rosto bem escanhoado.
Tal é, aliás, um mau sinal. Só alguns engenheiros e arquitectos mais novatos, que gostam de armar em pipis, é que têm esse hábito de aparecerem de rosto bem barbeado a condizer com as gravatinhas paneleiras que normalmente ostentam. Coisa de chefes!
A malta só se barbeia, toma banho e põe colónia, à sexta à noite. É a altura de ir às putas mudar o óleo, e passar uma noitada de copos e encavanço. E, por causa das gajas, convém ir mais ou menos bem amanhado.
Não que elas liguem muito a isso. Não, qu'elas querem é o papel, o bago, o pilim, o well-contado!
Mas um homem qu'é homem tem um certo brio. Mesmo quando está atascado nos becos lamacentos até aos gorgomilos.
06:57.
Ainda vai conseguir apanhar a camioneta das 07:10.
Veste-se rapidamente, sai de casa, a porta troveja, cruza-se com a boazuda da mulata do 1º esquerdo, corre escada abaixo a saltar os degraus três a três, como um gafanhoto, e sai para a rua fria, molhada e cinzenta...
Oeiras, Janeiro 2008
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4 comentários:
Amigo Zé,
Já coloquei o LINK do "instantes" no Cu de Oeiras.
Força com o "instantes".
Bem Haja
Boavida Pires
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Caro Boavida Pires,
Agradeço a visita e também o link, que é uma amável forma de apoio.
Abraço
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O que se aprende por aqui! :))))
Fiquei a saber que o boi-charolês ri.
Posso dizer uma coisa? Tu devias era publicar um livro de contos.
bjs
I.
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Ai ri, ri... que nem um BOI ! ou melhor: que nem um certo PM... AHAHAH
livro - Eu gostava e ainda não perdi a esperança. Nem que seja a título póstumo... Eheh...
bjs
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