sexta-feira, 22 de agosto de 2008

instantes de férias

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Caros,
Como achamos que também temos direito a um pouco de descanso, que isto de escrever todas as semanas dá cabo da moleirinha a qualquer um, o INSTANTES vai fazer uma curta pausa para retemperar os neurónios. O Tico e o Teco já andam meio baralhados e agradecem...

Fiquem por aí, voltamos em breve. Até lá:

Boas Férias para todos!
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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

lugar aos poetas

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recebido via email com pedido de publicação:


As Torres do Isaltino Morais

O Isaltino Morais que é tio,
Quer lotear a fundição de Oeiras.
No lugar do picadeiro do rio,
Um estacionamento cheio de poeiras.

No lugar do Beer Hunter que tem brio,
O acesso a uma rotunda sem beiras.
No lugar da fundição que serviu,
Doze torres em betão sem eiras.

E se foi para isso que os moradores,
Da Medrosa votaram no Isaltino,
Oh, poderoso autarca, que dás dores,

Livra-nos de ti, usa o tino,

Deixa a Medrosa aos eleitores,
Que votámos num qualquer cretino!

Carlos Santos Bueno
20/08/2008


n.b.: O autor é um poeta oeirense, com 2 livros de poesia publicados: "As Margens Vermelhas" (Minerva) e "Os Jardins do Éden" (ed. autor).
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sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Juízo Final

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JUÍZO FINAL

O rugoso globo ocular, enrugado pelo medo, encarquilhado pelo terror, o globo único que tinha, o globo apenas um que era, só, saltava, pulava, rebolava e ressaltava como doida bola de matraquilhos, num esforço danado e louco para escapar à onda avassaladora de plasma abrasador que procurava, ameaçava, tragá-lo.

Era um simples, vulgaríssimo, globo ocular, idêntico a milhares de outros.
No tamanho no volume no peso na cor ou na redondez, em plano algum se distinguia ostensiva ou evidentemente dos demais que habitavam aquelas paragens difusas.


Tinha córnea — quem não a tem?! — coberta por uma excelente conjuntiva. Tinha humor aquoso e humor vítreo — aliás, humor era coisa que não lhe faltava. Tinha uma pupila — de que gostava excepcionalmente pois fazia-o sentir-se Mestre, um misto de um Nietzsche com um Abelardo, coisa estranha... — e também uma bela íris. Tinha cristalino, claro — claro e transparente como água límpida ao brotar da nascente serrana. Tinha esclerótica, coróide e retina — eram um trio maravilha! Até fóvea tinha precisamente na mácula lútea, o que o deixava particularmente orgulhoso de si próprio.
Nervo óptico é que não tinha. Não lhe fazia falta nenhuma e seria um empecilho sempre que se quisesse deslocar. Ao rolar acabaria enrodilhado nele. Dificultar-lhe-ia a mobilidade.
Mas então o que o fazia sentir-se único? Sentir-se tão importante, como se achava?

Havia uma razão, talvez de somenos para alguns, mas para ele a Razão com maiúscula.
Era ela: Ele era um globo ocular divino. Sim, divino!
Em tempos longínquos, daqueles ditos de antanho, uma espécie quase-vivente, na verdade fora apenas e só um clã tribal, ao reparar nele enquanto dormitava à sombra dum chaparro, espojara-se à sua frente, deitara-se no chão, entoando cânticos e loas, divinizando-o.
Nada pode fazer para se opor. Assim se tornou o deus daquele clã. O Grande Deus Globo Ocular.

Durante alguns milénios teve uma vida boa e regalada.
Ele era ícone, ele era totem e estátua, ele era lugar sagrado, como o seu chaparro que ficou conhecido como Lugar da Aparição, ele eram cerimónias, liturgias, ofertórios e oferendas, sacrifícios de virgens, algumas pouco ou nada mas enfim..., era um fartar até vomitar.
Só que o que é demais enjoa, e o globo ocular agora içado ao estatuto de poderoso deus fartou-se. Aborreceu-se.
Até um Deus Globo Ocular tem limites para a paciência, bolas!

Quando o clã tribal se apercebeu que o Grande Olheco, como os miúdos lhe chamavam à sorrelfa, estava enfadado e enfastiado de tantas mordomias, ele próprio, clã, começou a definhar na medida do seu sentir de perda de razão de existir.
Menos cerimónias, menos oferendas, menos rezas, menos virgens puras e castas...
Diziam que era a crise económica. Que o pitrol não parava de subir e de dar sinal negativo à conjuntura. Mais umas quantas desgraças de costas largas.
Foi neste contexto de desânimo e desilusão global, chateado que nem um peru, que o globo ocular, agora Deus Globo Ocular, contudo fartinho de o ser, se decidiu a mandar os seus tristes adoradores ululantes às urtigas e partir para paragens mais longínquas onde tivesse paz.

Foi uma longa, dura e lenta caminhada. Cerca de 2.000 anos pela bitola terrestre. O terreno era irregular e agreste.
O pior ainda era o peso horroroso do grande malão de cartão, uma bela valise en carton oferecida pela Linda de Suza, onde transportava os seus parcos haveres. Parcos mas preciosos e indispensáveis.
No fim lá conseguiu chegar.
A um local aprazível de clima ameno, brisas claras e doces, terras macias, ondulantes, onde se podia instalar.
Apenas um senão, como logo constatou. Não havia chaparros para se deitar à sombra! Teria que encontrar um sucedâneo. Talvez nas Páginas Amarelas.

O seu primeiro dia foi passado a rolar pela planície selvagem fazendo gincana por entre plantas silvestres de bagas violáceas em busca dum bom local para construir um ninho. Não precisou de procurar muito.
No deambular rolante, cruzou-se com um grande estafermo, concretamente um político de esquerda de mentalidade fascizóide, de grande guedelha negra. Lesto saltou-lhe para o interior da espessa trunfa desgrenhada, disputando à bofetada com 3 piolhos e 2 percevejos um bom lugar junto a uma raiz dum cabelo, lugar que conseguiu sem grande esforço. Em pequenino tinha tido aulas de ballet.

Rapidamente dedicou-se à árdua tarefa de construção.
Nas redondezas buscou e apanhou algumas papas de sarrabulho e restos de cartolina Canson, com os quais fez um belo e confortável ninho (na cabeça do político esquerdista).
Tinha 3 assoalhadas, arrecadação, e um alpendre virado a poente. Era uma boa e sólida construção, magnificamente elaborada segundo técnicas milenares que lhe tinham transmitido em pequenino, capaz de suportar os mais violentos tornados e ciclones.

O tempo ia passando plácido.
Dormia sossegadamente no seu sítio, como lhe chamava em pensamento, e passeava durante todo o dia, dedicando-se a observar o mundo à sua volta, atento aos mais pequenos e pinturescos pormenores. Tinha uma curiosidade insaciável. Gostava imenso, por exemplo, de observar as auroras a mudarem de cor.
Descontraído, passeava, rebolava, dormitava — à sombra duma azinheira — até aquele dia fatal. O dia do Juízo Final!

A coisa começou cedo. Logo ao raiar do sexto sol. Sem aviso, sem anúncio.
Estava como de costume a dormitar à sombra quando se apercebeu dum ruído surdo, um ronco cavo, que parecia vir de todos os lados.
Abriu a pálpebra, estremunhado, e o que viu aterrou-o!
Uma gigantesca massa rugidora de plasma sanguinolento brilhante como mil sóis avançava na sua direcção, consumindo tudo à passagem.
Tentou rolar para longe, mas percebeu atemorizado que não tinha velocidade suficiente para escapar ao Fim do Mundo!
A massa ígnea alcançou-o e desintegrou-o reduzindo-o a nada.

O cirurgião desligou o laser, descalçou as luvas que atirou displicente para o balde dos desperdícios e deu a operação às cataratas por concluída com êxito. Podiam tirar o doente da anestesia, cujos efeitos no espírito do anestesiado só se supõem...


Oeiras, 15 Agosto 2008
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sexta-feira, 8 de agosto de 2008

a grande teta

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Glorioso e venturoso instante na vida dum caracol... atómico!


A GRANDE TETA

O caracol atómico cruza o espaço a grande velocidade!
É mais um candidato. Há muitos milénios que, de tempos a tempos, surge alguém no universo a quem o Guardião-Mor reconhece o direito de... MAMAR NA GRANDE TETA!
Mas ao caracol atómico não foi reconhecido esse direito. É um infiltrado. Segue por conta própria. Arrisca a vida. E pensa:

— GAITA! É TUDO A MAMAR, TUDO A MAMAR, E EU? NÃO TENHO DIREITO A UM BOCADINHO? AH, MAS EU CHEGO LÁ! HEI-DE MAMAR TAMBÉM!

Aproxima-se velozmente da galáxia onde está a Grande Teta. Conta com a velocidade para fintar as barreiras de protecção. Mas os radares estão cada vez mais sofisticados. Na sala de controlo, um guardião apercebe-se de um ponto violeta no écran quadriculado. Dá o alerta:

— ATENÇÃO! AÍ VEM MAIS UM QUE QUER MAMAR!

O sargento da guarda lança no espaço uma equipa de interceptores. E capturam o caracol atómico, que nada consegue fazer para o evitar. Brutalmente, conduzem-no a uma cela, onde fica detido. O guardião, antes de fechar a porta da cela, tem ainda tempo para lhe dizer:

— SERÁS LEVADO AO GUARDIÃO-MOR. É ELE QUE DITARÁ A TUA SORTE. MAS FICA JÁ A SABER QUE, ATÉ HOJE, EM TODOS OS CASOS SEMELHANTES, A SENTENÇA FOI SEMPRE ATIRAR O INFRACTOR NO CALDEIRÃO DAS MOSCAS CARNÍVORAS.

No dia seguinte, os guardiães conduzem o caracol atómico à presença do Guardião-Mor.
O ambiente é pesado. O Guardião-Mor tira o dedo do nariz, levanta o braço e aponta para o caracol atómico:

— QUE SEJAS CONDENADO AO CALDEIRÃO DAS MOSCAS CARNÍVORAS. SERÁS DESTRUÍDO AMANHÃ DE MANHÃ, QUE HOJE NÃO ME APETECE. SAÍ TODOS!

Os guardiães levam o caracol atómico de novo para a cela, onde irá aguardar o cumprimento da sentença. Faz-se noite.
O caracol atómico, na cela, não pára de pensar. Tem que conseguir escapar esta noite. O silêncio é profundo. A cela não tem janelas, apenas uma porta. O guardião passa pelo corredor de vez em quando. E o caracol põe em prática o seu plano.
Começa a bufar-se. A cela começa a encher-se do cheiro das bufas. A pouco e pouco a nuvem de gás passa pela ranhura da porta.
O caracol não pára de se bufar. O cheiro torna-se insuportável. E é detectado pelo guardião que vem a passar outra vez. Sente o pivete, imobiliza-se junto à porta, e pensa:

— UM CHEIRO TÃO FEDORENTO SÓ PODE SIGNIFICAR QUE O MALANDRO, COM O CAGAÇO, SE ESTÁ A DESFAZER EM MERDA! JÁ NÃO VAI SOBRAR NADA PARA AS MOSCAS DO CALDEIRÃO!

O guardião abre a porta. O caracol atómico, entretanto, enquanto se peidava ia preparando o ataque.
Quando o guardião abre a porta e entra na cela, o caracol surge subitamente de trás daquela (velho truque!) e desfecha-lhe uma pancada no crânio com o penico que existia na cela para os presos se aliviarem de noite.
O contacto do pesado bacio de esmalte com o crânio do guardião ressoa pela cela. O guardião tomba pesadamente no chão. O caracol aguarda em silêncio para ver se surge alguém alertado pelo barulho. Nada. Devem estar todos a dormir. Tira a arma ao guardião, as chaves, tranca a cela e esgueira-se pelo corredor.
Andando um pouco à toa, vai dar a uma plataforma onde se encontram vários veículos planadores. Uma placa identifica-os como VAGT (Veículos de Acesso à Grande Teta), exactamente aquilo que ele necessita. Entra num deles, fá-lo funcionar, e arranca a planar pelo enorme tubo à sua frente. Saí do tubo para uma imensa sala no centro da qual se encontra... A GRANDE TETA! Os olhos arregalam-se!

—CONSEGUI! — pensa o caracol.

Imobiliza o veículo e dirige-se a pé à enorme escadaria que dá acesso ao glorioso e suculento mamilo que se encontra lá em cima. À medida que se aproxima, vultos saem das sombras e acercam-se dele.
O caracol sorri. Ali, naquele sítio, aqueles vultos só podem pertencer aos grandes mamões! A pouco e pouco começa a reconhecê-los: Hitler, Mussolini, Salazar, Staline, Kadhafi, Saddam, Cerejeira, Papa, Khomeini, Hirohito... Todos abrem alas e lhe sorriem, pensando estar na presença de um sucessor.
Começa a subir a escada degrau a degrau. A grande teta, lá no alto, túrgida, clama por ele!

— VEM MEU CARACOLINHO! VEM E MAMA TAMBÉM!

Atrás do caracol, todos sobem entoando cânticos e louvores:

— MAMA, MAMINHA, NA MINHA BOQUINHA! TETA, TETONA, NA MINHA BOCONA!

O caracol continua a subir. A teta está cada vez mais perto. Mas algo de estranho se passa. A bela e exuberante teta, vista de perto, parece rugosa e flácida.
O caracol aproxima-se mais. É verdade! A Grande Teta, afinal, está velha e gasta! O mamilo sujo e desbotado, as rugas por todo o lado, o aspecto velho e encardido...
A Grande Teta está velha! constata o caracol atómico. Afinal é uma ilusão. Não vale a pena continuar. Mamar, o quê? Leite azedo, se calhar! E volta-se para descer. Dá de caras com os grandes mamões, que lhe sorriem como zombies.
Inicia a descida e tenta furar mas eles procuram impedi-lo.

— SERÁS UM DE NÓS, QUER QUEIRAS QUER NÃO QUEIRAS! HÁS-DE MAMAR, NEM QUE SEJA A ÚLTIMA COISA QUE FAZES! VAIS LEVAR COM A TETA NAS BEIÇAS!

E tentam agarrá-lo. O caracol debate-se. Grita. Empurra e esmurra em todas as direcções. Os grandes mamões caem, mas levantam-se sempre. Finalmente consegue libertar-se, não sem antes perder alguma pele pelo caminho (e um dos cornos).
Corre para o VAGT, põe-o a funcionar, e dirige-se a velocidade crescente em direcção à cúpula envidraçada da sala. Atravessa-a, no meio do troar imenso da ruptura da cúpula, e penetra no espaço, onde se liberta do VAGT e aumenta de velocidade, em direcção ao sol, em direcção à liberdade.
Atrás dele, ecoam os gritos dos grandes mamões:

— MAMAREMOS PARA SEMPRE! VIVA A MAMADA! VIVA A GRANDE TETA!

Entretanto, no posto da guarda, diz o guardião do radar:

— O MALANDRO CONSEGUIU ESCAPAR!

Responde o sargento:

— ELE QUE VÁ MAMAR P'RA OUTRO LADO!

E o caracol, feliz, lá continua em grande velocidade a cruzar o espaço:

— PORRA, JÁ ME SAFEI!


Oeiras, 09 Dezembro 2002
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Instante DOIS MIL

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O INSTANTES ultrapassou ontem a fasquia dos

2.000
visitantes

Aconteceu às 2:55:31 pm, com um clique brasileiro, a 7.170 kms daqui.
Para esse irmão desconhecido, AQUELE ABRAÇO!!

CLIQUE PARA AMPLIAR



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terça-feira, 5 de agosto de 2008

Sinalização (flag) de blogs

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Caros(as),

Este post sai substancialmente do âmbito deste espaço literário.
A razão para que tal aconteça é séria e muito grave.

Fomos alertados para ela por uma ocorrência recente que prejudicou gravosamente o blog O JUMENTO, e que vimos mencionada no Oeiras Local.

Para compreenderem melhor os contornos deste problema, que pode afectar qualquer um de nós, bloggers, o melhor é lerem e divulgarem o excelente e esclarecedor artigo do Ruben Valle Santos:


- CLIQUE NO LINK ACIMA -

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sexta-feira, 1 de agosto de 2008

fornalha

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Este instante já é velhinho... Não se trata em rigor de um conto ou estória, mas de um ensaio de poesia. Integrado, é certo, num contexto de ficção científica, apenas perceptível pelo prelúdio. Divirtam-se!


FORNALHA

Prelúdio introdutório

Sumário da 3.ª Lição de Astromorfologia - II Curso Ómega: A Fornalha.

Com voz grave e possante, dizia o professor, aos seus jovens alunos, agitando os cílios vibráteis no cocuruto da cabeça:

— NESTE NOSSO BRAÇO DA GALÁXIA, A POUCOS ANOS-LUZ DAQUI, UM CONJUNTO DE PLANETAS, ASTERÓIDES E COMETAS, ALÉM DE OUTROS CORPOS CELESTES DE SOMENOS IMPORTÂNCIA, GIRA EM TORNO DE UM SOL, ESTRELA AMARELA DO TIPO G, A QUE ALGUNS ESPECIALISTAS DÃO JOCOSAMENTE, QUIÇÁ IMBUÍDOS DE LIRISMO, A ALCUNHA DE...

FORNALHA

A fornalha rugia.
No seu íntimo,
No mais fundo do seu ser,
Nas profundezas mais vulcânicas,
O fogo revolteava,
Comprimia-se,
Expandia-se,
Esmagava-se,
Num pulsar rápido,
Caótico,
Doloroso e imparável.

A fornalha rugia.

Colunas de fogo erguiam-se,
Contorciam-se,
Projectavam-se em frente,
Chocavam umas contra as outras,
Num troar fantástico,
Destruíam-se,
E renasciam num processo infinito.

A fornalha rugia.

Fogo líquido dançava,
Bailava enlouquecido,
Deformava-se,
Lambia-se a si mesmo,
E envaginava-se num abraço final,
Recomeçando sempre.

A fornalha rugia.

Indominável.


Paço de Arcos, 29 Novembro 1994
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